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ARTIGO TEORICO
Os sete princípios do treinamento
Por João Carlos Gatto de Jesus Almeida

Como profissional de Educação Física, ao elaborar um programa para meus clientes, me pauto pelos Sete Princípios do Treinamento. Neste breve artigo proponho a adaptação dos mesmos para o desenvolvimento do enxadrista que quer levar a sério o seu progresso na Arte de Caissa.


Obviamente alguns poderão não levar a sério minhas considerações, afinal não sou nenhum GM, ao contrário meu nível de jogo é relativamente baixo. Todavia, existem inúmeros bons treinadores, cujo rating não ultrapassa a casa dos 2.000 pontos ELO! Inclusive há ainda MIs com rating menor que 2.450 que são treinadores de GMs! Isto me faz lembrar uma proposta pedagógica que diz “Nem sempre um bom competidor será um bom professor e vice-versa”.

Durante muitos anos, mesmo estudando bastante xadrez, meu rating ficou em 1.700 pontos e no Blitz em 1.300. Somente após uma reestruturação do meu método de treinamento é que consegui aumentar em 200 pontos Elo meu rating em apenas 8 meses. Sei que isto é pouco, mas conheço minhas limitações e, acredito firmemente, que existem muitos enxadristas com o seu rating bem abaixo de suas reais limitações. E por quê? Muitas vezes estes enxadristas não têm ainda um bom plano de treinamento. Qualquer que seja o seu plano, acredito que deva estar pautado nestes sete princípios:
1) Individualidade
Cada enxadrista reage de maneira diferente ao mesmo tipo de treinamento. É preciso ter em mente que alguns irão progredir mais rápido, outros nem tanto. Então não desanime se seu colega aprendeu xadrez dois anos após você e agora já é um MI enquanto você ainda está na casa dos 1.800 (ou nem isso!). Todos nós temos o nosso próprio ritmo de aprendizagem e devemos respeitá-lo. Mas atenção: respeitar o ritmo não significa acomodar e achar que não progredirá mais do que o ponto onde já está!


Certa vez perguntei a um GM o que deveria treinar, e ele me respondeu: “depende do seu objetivo. Você quer aumentar 100 pontos de rating, ou quer chegar a um GM com 2.500?” Ou seja, tenha claro exatamente onde quer chegar e trace seu plano de treino de acordo com seus objetivos; nem é preciso dizer que poderá levar anos para chegar onde pretende e, inclusive, pode não chegar ao ponto final, mas você nunca saberá seus limites se não aceitar os desafios. Por exemplo: em recente entrevista o GM Vescovi disse que pretendia estar entre os top10 do mundo. Não conseguiu isso, mas conquistou muitas outras vitórias! Se ele tivesse se acomodado, nunca teria chegado ao título de Grande Mestre.

2) Sobrecarga
Em qualquer esporte é necessário variações e sobrecargas para que você progrida. O princípio da sobrecarga é um dos mais antigos na Educação Física e pode ser aplicado ao xadrez! Uma velha lenda conta que um jovem gladiador queria se impor sobre os demais lutadores no Coliseum. Então foi instruido a carregar todos os dias sobre os ombros, por cerca de 100 metros, um bezerro. Acontece que com o passar dos meses e anos o bezerro foi se transformando num novilho até chegar a um pesado touro. E o gladiador continuava a carregá-lo! Ou seja, seus músculos foram se adaptando a nova sobrecarga e ficando cada vez mais forte.


No xadrez não basta estudar sempre a mesma coisa, deve-se sempre aumentar a carga, que poderia ser representada aqui por novos desafios, problemas mais complexos, exercícios cada vez mais difíceis. Eu mesmo quando comecei a enfrentar os programas Fritz e Chessmaster o fiz pelo nível mais baixo (rating 1.580 e 1.200 respectivamente), atualmente enfrento o Shredder com rating em 2.300 e o Chessmaster10 com 2.600 (e já consegui empatar!).


Existem muitos programas de treinamento baseados em níveis de dificuldades. Só para citar alguns de táticas, temos o Personal Chess Trainer do GM Milos, e o Tactics For Beginners e CT-Art da Convekta. O ideal é que dá para começar dos mais fáceis e ir gradualmente subindo de nível até os mais difíceis (esta é uma importante recomendação do GM Rafael [Leitão]). Os livros devem ser utilizados sob a mesma ótica. Não adianta nada eu passar para um aluno de rating 1.200 um livro de Estratégia Superior do Dvoretsky!

3) Adaptação
Poderíamos dizer que é o mesmo que recuperação. Explico: a medida que você vai treinando seu cérebro ele vai se adaptando aos novos conhecimentos e estímulos. Não obstante, você ficará saturado e até mesmo com um “overtraining” o que prejudicará seu progresso. É necessário dar um tempo para a recuperação evitando assim a estafa ou estresse mental.


Diversas pesquisas científicas têm comprovado que o cérebro precisa de cerca de 10 minutos para “emergir” no treinamento e se sobrecarrega após 45 minutos! Ou seja, nos 10 primeiros minutos você não tem ainda a concentração absoluta, qualquer coisa poderá distrai-lo e após 45 minutos você poderá perder a concentração por causa da saturação mental! (mas lembre-se do primeiro princípio! cada pessoa é uma pessoa). Minha sugestão é que após 45 ou 50 minutos de treino, dê uma pausa de 15 minutos para se recuperar. É imperativo que nesta pausa você não faça nada referente ao xadrez. Procure tomar um pouco de água, faça alguns alongamentos (veja sugestão no final do artigo), ouça uma música, etc. Não vale aproveitar os 15 minutos de pausa para ficar navegando na Internet se os seus 45 minutos de treino foram no computador! Você precisa fazer algo que descanse também os olhos!!.

4) Progressão
Assim que o cérebro se adapta a nova onda de treinamento é necessário uma nova sobrecarga para você continuar se desenvolvendo. Aqui é necessário aumentar também o tempo dedicado a cada parte do treino; especialmente onde você tenha mais necessidade (tática, finais, aberturas!?).
De uma maneira geral recomendo que o mesmo tempo dedicado ao Estudo seja também dedicado à Prática! Ou seja, se estuda duas horas por dia, deveria jogar também duas horas!


Uma dica importante, mesmo que você tenha horas e mais horas de tempo livre para dedicar exclusivamente ao estudo e prática do xadrez, aconselho aos iniciantes não “ir com muita sede ao pote”! No primeiro mês faça apenas uma hora de treino diário. No segundo mês amplie para duas horas (sempre respeitando a pausa de 15 minutos)... Muitos GMs treinam até 8 horas diárias! Porém o excelente treinador russo Shereshevsky afirma que metade deste tempo já é o suficiente (nada de “overtraining”). O Rafael também afirma que não é necessário tantas e tantas horas diárias... é melhor treinar TODOS os dias por algum tempo (por exemplo 1 hora) do que ficar 6 dias sem fazer nada e depois querer ficar 24 horas do domingo treinando...

5) Especificidade
Você só vai melhor seu jogo se jogar! Não adianta nada estudar teoria meses e meses e não jogar! Kasparov afirma que Andersen, considerado o melhor jogador do seu tempo (e grande estudioso), tinha jogado só DUAS partidas sérias em 7 anos (!) antes de enfrentar Paul Morphy... o resultado todos sabemos: um massacre do Morphy. É imprescindível você colocar em prática, o que vem estudando, em torneios reais. Só assim você adquirirá um “feedback” para fazer pequenas correções, se houver necessidade, no seu plano de treinamento enxadrístico.


Procure jogar contra humanos, sejam aqueles amigos do bairro e/ou adversários desconhecidos em torneios. Lembra que temos que variar constantemente? Não vale jogar sempre com o mesmo adversário. Jogue também pela Internet... procure jogar os mais diversos ritmos, mas em especial àquele que você provavelmente mais jogará em torneios. Para partidas rápidas há muitos servidores gratuitos, basta procurar. Não aconselho jogar só contra programa de computador, mas se não tiver outra opção ao alcance procure jogar contra os mais diversos engines (Fritz; Rybka; Doctor; Crafty; Hiarcs; Shredder etc) e se tiver apenas o Chessmaster procure jogar com as mais diversas Personalidades inclusas no programa (tem umas que prefere os jogos abertos, gambitos, outras preferem defesas cerradas, etc). O importante é que JOGUE!!


Um último conselho: JOGUE XADREZ POSTAL! Tem muitos sites que oferecem esta modalidade de jogo, que considero muito importante para o desenvolvimento teórico, principalmente em aberturas. Outra vantagem do xadrez postal é o tempo: geralmente o limite é bem alto comparado com torneios “cara-a-cara”... use este tempo maior para uma análise maior das posições críticas... você ficará surpreso com a quantidade de nuances táticas que irá perceber em suas partidas.

6) Reversibilidade
Você já reparou que quando fica umas duas semanas sem jogar ao tentar jogar uns pings com os colegas acaba levando chumbo? Isto porque você perde ritmo de jogo, seus reflexos e visão do tabuleiro são prejudicados. É por esse motivo que o xadrez deve ser praticado continuamente (a exceção fica para os casos de “overtraining”). Mas cuidado pois continuamente aqui pode ser interpretado de maneira equivocada e se tornará uma faca de dois gumes. Explico: ficar sem jogar diminuirá seu tempo de reação, mas jogar excessivamente também é prejudicial. O excelente treinador americano Edmar Medniss, no seu livro Como se tornar um autêntico jogador de torneio, afirma que é necessário dar uma pausa quando percebemos que estamos saturados de xadrez (veja princípio 3)...

7) Variabilidade
Já disse que devemos variar o treinamento sempre para que o nosso cérebro continue recebendo os estímulos necessários para o desenvolvimento. As variações podem ser as mais diversas, como já citadas anteriormente: ritmo de jogo (5x5; 15x15; 30x30; 60x60; 90x90; com acréscimo “Fischer”; com “delay-Bronstein”; etc); teoria diversificada (tática; abertura; final; partidas comentadas; estratégia; etc); material diverso: livros; programas para jogar; programas para estudar; etc. Outro ponto chave: nosso cérebro precisa de estímulos diferentes para melhorar na sua amplitude global. Por exemplo: faça outra coisa desafiante! Já fez aulas de desenho? Que tal estudar violino? Aprender um novo idioma? Tocar piano? Jogar Gotich Chess? Aprender o complexo jogo GO?


Eu e outro colega todo domingo jogamos três horas de Gotich Chess (nós mesmos fizemos as peças e o tabuleiro) e achamos o novo desafio interessantíssimo. Dizem que aprender um novo idioma é uma ótima ferramenta para o desenvolvimento cerebral. Tente!


Quaisquer dúvidas pode me contactar por email.
Abraços e bom treino!!!

Por fim gostaria de citar alguns links interessantes:

Xadrez Postal:
www.queenalice.com

Xadrez On-line:
www.cex.org.br
www.ixc.com.br
www.freechess.org

Teoria
www.clubedexadrez.com.br
www.inforchess.com
www.jaquemate.org

Discussão
http://br.groups.yahoo.com/group/clube-de-xadrez

Treinamento anti-estresse
http://ajedrez-curso-online.blogspot.com

João Carlos Gatto de Jesus Almeida
Profissional de Educação Física e Jogador Fide
joao_gatto@ig.com.br




XADREZ NA ESCOLA
A socialização através do jogo


            O xadrez é um jogo muito antigo que surgiu a partir do jogo indiano chamado deshaturanga. A Pérsia foi à primeira nação do xadrez, ela que foi a responsável pela criação deste e quando foi invadida pelos árabes, estes levaram o jogo para a Europa durante a invasão do islamismo. Na Europa, o xadrez tornou-se o jogo que é hoje.
Como o xadrez é um jogo de raciocínio, ele foi definido como esporte intelectual que se baseia em três elementos: jogo-arte-ciência. Jogo porque requer habilidade, artepor causa da imaginação e ciência devido ao cálculo. Apesar desta definição, muitos consideram o xadrez como um jogo matemático que tem como objetivo deixar seus praticantes mais inteligentes e melhores no cálculo matemático. De fato o xadrez auxilia no cálculo, porém não se deve esquecer que como todo jogo com regras, o xadrez tem um grande valor sócio-educativo, pois promove a inclusão, a interação e a socialização do aluno com o meio. Matheus (2008) explica que a prática do jogo implica no exercício da sociabilidade, autoconfiança, do raciocínio analítico e sintético e até mesmo da organização estratégica do estudo, o que acaba inclusive auxiliando na melhora do rendimento escolar, principalmente em termos de concentração.
Quando o xadrez foi implantado na grade curricular no município de Passos/MG em 2005, muito se falou sobre qual é a real importância do jogo para os alunos. Alguns chegaram a falar que o jogo deixa o aluno mais inteligente, outros já falaram que ele faz com que a criança aprenda melhor a matemática e alguns pessimistas em relação ao assunto chegaram a afirmar que o xadrez era apenas mais um desporto oferecido pela escola visando torneios e nada mais. Não só no município, mas também em outros lugares o xadrez é visto desta maneira. Poucos sabem qual sua verdadeira importância dentro da escola. Os docentes contrariaram as afirmações feitas em relação à inclusão do xadrez na escola e defenderam o xadrez como sendo importante para o raciocínio, concentração, atenção e cálculo, ambos os valores cognitivos importantes para a formação acadêmica. Estes valores são de suma importância, mas não deve se esquecer que além do cognitivo, o jogo também trabalha o lado social do aluno, outro valor de grande importância para a formação do indivíduo.  
Analisando o xadrez por seu lado pedagógico nota-se que em uma partida há comunhão entre raciocínio, cálculo, desafio, respeito, aventura e interação. Além destes fatores, o jogo contribui para a aceitação de normas e resultados, formação de caráter, controle emocional, facilidade de expressão, aceitação de novas idéias e diferentes pontos de vista, valores importantes na formação do aluno, auxiliando-o na conscientização sobre suas ações e com isso este aprende a distinção entre o certo e o errado, além de levar estes valores para seu cotidiano, o que contribui para a formação do seu EU. O aluno quando participa de jogos de regras, este tem por característica abandonar a arbitrariedade que governava seus jogos para adaptar-se a um código comum, podendo ser criado por iniciativa própria ou por outras pessoas, mas que deverá acatar limites porque a violação das regras traz consigo uma punição. Isto ajudará a criança a aceitar o ponto de vista das demais, a limitar sua própria liberdade em favor dos outros, a ceder, a discutir e a compreender. Quando se praticam jogos de grupo a experiência se engrandece já que a sociabilidade é agregada à vida da criança, surgindo assim os primeiros sentimentos morais e a consciência de grupo. Quando a criança joga compromete toda sua personalidade, não o faz para passar o tempo. Podemos dizer, sem dúvida, que o jogo é o “trabalho” da infância ao qual a criança dedica-se com prazer. Pode-se perceber através do que foi exposto o valor educativo que a prática lúdica do xadrez possui.
Grandes mestres do xadrez como o brasileiro Gilberto Milos Jr., a mestra colombiana Adriana Salazar Váron e estudiosos do xadrez como Antônio Villar Marques de Sá, Wilson da Silva e Sylvio Rezende defendem a importância do xadrez como instrumento pedagógico devendo ser incluído como conteúdo escolar obrigatório devido a sua gama variada de conteúdos, incluindo seus benefícios sócio-educativos. O comportamento, a auto-estima, a tomada de decisões, os valores éticos, o respeito, a humildade, a paciência, o saber ganhar e perder e principalmente a interação entre os jogadores fazem parte do lado social do jogo, fatores essenciais para a formação humana do aluno. Sylvio Rezende em seu livro “Xadrez na Escola” defende que todo jogo dotado de regras contribui para a formação sócio-afetiva do aluno, portanto como o xadrez é um jogo com regras específicas pode se concluir que este tem grande influência social. Adriana Salazar ainda ressalta a influência do xadrez nas relações familiares mostrando que o jogo melhora relações entre pais e filhos.
Pesquisas de campo foram feitas a fim de analisar o xadrez mais afundo e constatar seus reais benefícios dentro da escola. A princípio sua implantação na escola foi através de clubes de xadrez, porém neste só participava um seleto time que tinha como ponto forte o treinamento visando torneios. Em 1976 o psicólogo Dr. Johan Christiaen constatou através de uma pesquisa de campo que quem joga regularmente o xadrez tem rendimento acadêmico 13,5% superior aos demais alunos e consequentemente socializa melhor. A partir destas pesquisas, outros estudiosos como o Dr. Joyce Brown que em 1981 constatou em seus estudos que o xadrez tem grande influência na formação social do aluno, principalmente no comportamento, tanto que ele comprovou que o jogo contribui com 60% na diminuição de suspensões e incidentes, ainda provou que este melhora a auto-estima em 55%. Em cima destas pesquisas, outros estudiosos começaram então a pesquisar formas de implantação do xadrez no conteúdo escolar, com isto o jogo começou a ser praticado de uma minoria para uma maioria.
            A partir disto observa-se que o xadrez é de grande importância para a formação social do aluno, pois trabalha com sua auto-estima, seu comportamento e o ajuda na sua interação e integração com o meio. Pode-se analisar também que o xadrez evoluiu de jogo estritamente restrito ao treinamento para um jogo voltado para o lúdico e também para o lado sócio-afetivo do aluno.


REFERÊNCIAS

BECKER, I. Manual de xadrez. 20ª ed. São Paulo: NOBEL, 1989.

CARAN JÚNIOR, E.; GRECO, P. J.; SAMULSKI, D. Temas atuais em Educação Física e Esporte. Belo Horizonte: HEALTH, 1997.

REZENDE, S. Xadrez na escola: uma abordagem didática para principiantes. Rio de Janeiro: CIÊNCIA MODERNA, 2002.

SILVA, W.; TIRADO, A. C. S. B. Meu primeiro livro de xadrez: curso para escolares. 5ª ed. Curitiba: EXPOENTE, 2003.

VARÓN, A. S. Seminário: Educacion, Desarollo de Talentos y Construciones de Valores a través del AjedrezColômbia: 2004. Disponível em: